'Robôs' adulteram venda em alguns sites; usuário paga mesmo sem levar. Autoridades não sabem quem é responsável pela fiscalização dos sites.
Se você tem alguma dúvida sobre segurança da informação (antivírus,
invasões, cibercrime, roubo de dados, etc), vá até o fim da reportagem e
utilize a seção de comentários. A coluna responde perguntas deixadas por leitores todas as quartas-feiras.
Há pelo menos três anos está na internet brasileira um novo modelo de
compra no qual o usuário precisa pagar pelo lance em um leilão –
normalmente R$ 1 cada – para aumentar um centavo no valor a ser pago
pelo produto. Como o lance é pago, o internauta gasta dinheiro mesmo se
não levar o produto. Os lances vão se acumulando, e caso ninguém dê
novos lances dentro de alguns segundos, o leilão acaba; se alguém der
outro lance, porém, o contador reinicia.
Uma investigação do G1 mostrou que esse sistema, que utiliza incorretamente o nome do leilão, cria várias possibilidades de fraude e que as autoridades não sabem quem fiscalizar esses sites ou como seria possível o internauta identificar um golpe. O Procon e a empresa de antivírus Kaspersky recomenda até que os usuários tenham cautela ao se cadastrar
em alguns destes sites, já que há indícios de que alguns destes portais
façam parte de redes criminosas responsáveis por envio de spam e venda
de informações.
Consultado pelo G1, o responsável por um dos maiores sites de leilão de um centavo do Brasil afirmou que o modelo de negócios é válido, diz que sa fraudes ocorrem apenas em empresas geridas por pessoas mal intencionadas. O consumidor, diz, deve ficar atento para identificar quais são os serviços confiáveis.
Campos de cadastro de usuário normal em site de
leilão de um centavo (Foto: Reprodução)
Como funciona No chamado leilão de um centavo, é
necessário pagar para dar lances. O valor de venda é a somatória dos
lances de um centavo. Um telefone celular, por exemplo, pode sair por R$
19,50. O vencedor do leilão paga este valor pelo produto, mas o site
recebe ainda o valor cobrado por cada um dos 1.950 lances dados por
todos que participaram do leilão. Se a página cobra um real por lance,
ela recebe, no total, R$ 1.969,50 na negociação.
Todos os usuários que não ganharem o leilão já pagaram pelos seus
lances e não podem reaver o dinheiro. Na prática, é pagar para não levar
nada. Isso está claro nas regras da maioria dos sites, e não há, na
análise das autoridades consultadas pelo G1, nenhum crime neste sistema de venda.
Porém, o programa de leilões analisado pelo G1 permite
que os sites criem usuários fantasmas que vençam as negociações,
impedindo que um cliente real leve o produto. Com isso, o internauta nem
sequer pode saber que houve uma fraude.
Campos de cadastro de usuário bidding em site de
leilão. Sem CPF ou endereço, ele também pode
apostar e vencer leilões (Foto: Reprodução)
O painel de administração de um site de leilões visitado pelo G1 mostra
a presença de opções como valor mínimo do produto antes do leilão
terminar e a presença de cadastro de um "usuário bidding” ("usuário
apostador”), que é bem mais curta que um usuário normal: ele não tem,
por exemplo, o cadastro de um endereço físico. Mesmo assim, ele pode dar
lances e vencer os leilões.
Há ainda a possibilidade, confirmada por uma empresa de desenvolvimento
de sites de leilão, de usar "robôs" para dar lances automáticos e
acabar com as chances de usuários comuns vencerem a disputa. Com R$ 15 é
possível comprar scripts prontos para ter um site de leilão com todos
esses recursos e funcionando em poucos minutos.
Sem garantia Segundo Eduardo
Jordão Boyadjian, presidente do Sindicato dos Leiloeiros de São Paulo, o
uso da palavra "leilão” para descrever essa modalidade de compra é
enganoso. "A palavra leilão é usada de forma indiscriminada para sugerir
ao público em geral uma oportunidade. Que oportunidade é esta? Quem
garante que o vencedor é de fato um usuário que comprou um pacote de
lances? Essa modalidade carece de confiabilidade”, afirma.
Boyadjian explica que um leilão oficial tem um leiloeiro nomeado pela
Junta Comercial de cada estado. Quem der o maior lance leva, desde que
esse lance seja maior que o mínimo exigido pelas condições de venda. A
remuneração do leiloeiro é de 5% do valor da venda e ninguém paga pelos
lances.
Polícia desconhece atuação dos sites
Os donos dos sites de leilão de um centavo podem adulterar os leilões
sem nenhuma possibilidade de fraude ser revelada ao internauta, segundo
apurou o G1. Para as autoridades, porém, é preciso que internautas reclamem, caso se sintam prejudicados.
A Polícia Federal afirmou que não há nenhum inquérito envolvendo esse
tipo de site, mas que se houver crime – de jogo de azar ou estelionato –
a investigação cabe à Polícia Civil.
Em e-mail para leitor do G1, empresa que desenvolve
sites admite a existência de lances automáticos feitos
por 'robôs' (Foto: Reprodução)
O G1 conversou com a delegacia de crimes de
informática da Polícia Civil de São Paulo, que acredita que o caso seria
mais adequado para a Delegacia de Proteção do Consumidor.
Já a delegacia do consumidor desconhecia os sites e disse não ter
encontrado indício de conduta ilegal em um primeiro momento, mas afirmou
que está em fase de análise do caso.
Para José Mariano, delegado de polícia e professor da Academia de
Polícia Civil de São Paulo, a prática constitui um crime, porém não há
legislação que permita o uso das ferramentas adequadas para investigar
os sites.
"Está claro o uso de um artifício fraudulento para obter-se vantagem
financeira em detrimento de uma vitima ou vítimas. Não existe
efetivamente uma fiscalização de atividades realizadas pela internet.
Deve ser levado em consideração o local onde está hospedado o site
(servidor), e não é papel das polícias este tipo de fiscalização”,
detalha Mariano.
Após a alegação da PF de que as fraudes podiam indicar crime de jogo de azar, o G1 procurou
a Caixa Econômica Federal, que por lei detém o monopólio do jogo no
Brasil. A assessoria de imprensa afirmou que o assunto "não compete” ao
órgão.
Ilegalidade existe em qualquer negócio, diz dono de site
Guilherme Pizzini, sócio-diretor do site Olho no Click, um dos
primeiros a atuar com leilões de um centavo no Brasil, defende o modelo e
diz que as fraudes ocorrem apenas em empresas geridas por pessoas mal
intencionadas. Segundo ele, o site já comercializou mais de 6.000
produtos, inclusive carros e um apartamento, cujo leilão contou com o
apoio de uma empresa de auditoria para garantir a confiabilidade do
processo.
Os valores nominais de venda dos produtos são normalmente 90% abaixo do
valor de mercado. Esse valor, no entanto, não leva em conta o preço dos
lances, que é onde a empresa lucra.
Sistemas de sites permitem a configuração de um preço
mínimo, impedindo o verdadeiro vencedor de levar o
leilão (Foto: Reprodução)
Ele acredita que o site não é como um jogo de azar. "o usuário não
depende única e exclusivamente da sorte. Ele sempre tem a opção de
ofertar mais um lance”, diz.
Questionado sobre outros modelos de negócios em que o usuário paga sem a
garantia de receber um produto, Pizzini citou como exemplo um seguro de
carro. "É um serviço que a pessoa paga e espera não levar. No nosso
caso também, prestamos um serviço. A pessoa paga e recebe os lances."
Pizzini diz que, se há fraude porque internautas não ganham ou produtos
não são entregues, isso existe independe da forma como a negociação
ocorre. "Eu acho que em todo modelo de negócios existem pessoas bem
intencionadas e pessoas mal intencionadas. Independentemente do modelo,
esse tipo de fraude ocorre da internet”, afirma.
O executivo reforça que o site se preocupa com a legalidade das
atividades que diversos advogados foram consultados quando o site foi
aberto. "Tudo que a gente pode fazer pra demonstrar essa seriedade para
demonstrar essa seriedade, que somos idôneos, nós fazemos. É claro que
não posso falar por sites, empresas que não conheço”, completa.
Empresa de antivírus observa ligação com crime on-line
Pelo menos um site de leilão de um centavo é mantido por criminosos
virtuais. A informação é do analista de vírus Fabio Assolini, da
fabricante de antivírus Kaspersky Lab.
"Os e-mails de divulgação do tal site foram disparados a partir de um
host conhecidamente malicioso, comprado por cibercriminosos brasileiros,
que usam o domínio para hospedar trojans bancários, páginas de phishing
[clones de sites bancos] e enviar mensagens de spam”, diz Assolini.
Para o analista, usuários que se cadastrarem em sites mantidos por
criminosos poderão ter seus dados roubados ainda na compra dos créditos
dos lances, além de nunca conseguir vencer o leilão. A empresa recomenda
cuidado ao se registrar em sites dessa modalidade.
Procon recomenda que usuário busque informação
Maíra Feltrin, do Procon de São Paulo, recomenda que internautas
busquem todas as informações possíveis antes de se cadastrar e
participar dos leilões. "A informação tem que ser adequada, clara e
ostensiva, e com todas as características da prestação de serviço”,
completa. Uma questão importante é entender corretamente o funcionamento
de tempo dos leilões, cujo contador é reiniciado a cada lance.
O internauta também deve verificar se o site informa a procedência do
produto vendido e se as condições para o leilão estão claras, por
exemplo.
Feltrin fala que, como se trata de uma nova forma de comercialização,
essas informações são ainda mais importantes "principalmente porque
acaba tendo uma relação muito grande entre o consumidor e o serviço
prestado” e que, embora não exista uma lei específica, o Código de
Defesa do Consumidor se aplica e o Procon pode ser procurado caso um
produto não seja recebido, por exemplo.
Fonte: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/08/fraudes-em-sites-de-leiloes-de-um-centavo-podem-enganar-internautas.html
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